quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Guerra Fiscal do ICMS: Retrospectiva 2014

O ano de 2014 foi de muitas emoções para os brasileiros. Entre a realização da Copa do Mundo, maior evento futebolístico do mundo, e de eleições presidenciáveis pautadas por manifestações, denúncias e inúmeras discussões sobre reforma econômica e tributária, o velho tema "guerra fiscal" permaneceu em pauta em decisões proferidas pelo Supremo Tributal Federal, em Propostas de Emendas Constitucionais debatidas no Legislativo, em reuniões realizadas pelos Estados no âmbito do CONFAZ - Conselho Nacional de Política Fazendária e sobretudo em matérias amplamente divulgadas pela mídia.

Instaurada desde a repartição da receita decorrente da arrecadação do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS entre os Estados pela Constituição Federal em 1988, a guerra fiscal consiste na disputa, por meio da concessão de benefícios e incentivos fiscais, para que um maior número de empresas se instale em seus territórios e, consequentemente, aumente a sua arrecadação de ICMS, visto que em regra o imposto é devido para o Estado de origem das mercadorias.

Visando demonstrar a direção que vem sendo adotada pela sociedade no intuito de combater a guerra fiscal instaurada entre os Estados, o presente artigo relaciona os principais acontecimentos ocorridos no ano de 2014.

1) Julgamento da ADI 310 - Isenção do ICMS nas operações destinadas à Zona Franca de Manaus
Proposta pelo Governador do Estado do Amazonas em 20.06.1990, a Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 310 foi julgada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal - STF em 19.02.2014 para declarar inconstitucionais os Convênios 1, 2 e 6 de 1990, firmados entre os Estados não integrantes da área incentivada com o intuito de restringir a aplicação do benefício de isenção aplicável às operações destinadas à Zona Franca de Manaus.

Embora tenha decorrido cerca de 24 anos entre a propositura da ação e o julgamento da ADI pelo STF, a eficácia dos Convênios 1, 2 e 6/1990 já estava suspensa desde 25.10.1990 em função de medida cautelar deferida pelo Plenário do STF.

Em termos práticos, considerando que a eficácia dos referidos Convênios já se encontrava suspensa desde outubro de 1990, não há o que se falar em reflexo efetivo do julgamento final da ADI 310 nas operações atualmente realizadas por contribuintes do ICMS com destino à Zona Franca de Manaus.

Contudo, o julgamento da ADI 310 possibilita a afirmação de que a isenção do ICMS prevista no Convênio 65/88 aplica-se às operações destinadas à Zona Franca de Manaus:

a) com cana de açúcar;

b) com produtos industrializados semielaborados;

c) poderá o estabelecimento industrial que promover a saída de produtos industrializados de origem nacional para comercialização ou industrialização na Zona Franca de Manaus, manter os créditos de ICMS relativos a matérias primas, materiais secundários e materiais de embalagens utilizados na produção dos bens objeto da isenção.

A análise da ADI310 possibilita também perceber o quanto é antiga a discussão dos Estados quanto à divisão da receita da arrecadação do ICMS e afirmar que a chamada "Guerra Fiscal" remonta aos tempos da promulgação da Constituição Federal (1988).

2) Julgamento da ADI 4628 - Divisão do ICMS nas vendas não presenciais - Inconstitucionalidade do Protocolo 21/2011
Proposta pela Confederação Nacional do Comércio de Bens Serviços e Turismo - CNC em 01/07/2011, a ADI 4628 como pedido liminar requereu a suspensão do Protocolo 21/2011 e como pedido definitivo pleiteou que fosse declarada a sua inconstitucionalidade, sob a alegação de afronta ao disposto no artigo 155, § 2º, inciso VII, da Constituição Federal.

No cenário da "guerra fiscal" em que os Estados concedem benefícios fiscais (isenção, redução de base de cálculo, crédito presumido, etc.) não autorizados em Convênios, como forma de tornar mais atrativa a instalação de contribuintes do ICMS em seu território e consequentemente aumentar o produto de suas arrecadações, os Estados do Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia e Sergipe e o Distrito Federal numa tentativa desesperada de obter uma fatia do montante do ICMS arrecadado pelos grandes centros de e-commerce (Regiões Sul e Sudeste) nas operações efetuadas de forma não presencial (internet, telemarketing e showroom) com destino a não contribuintes, celebraram o Protocolo 21/2011, estabelecendo, entre outras coisas, que:

a) nas vendas por meio não presencial para não contribuintes o estabelecimento remetente recolherá para o Estado de destino a parcela de imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;

b) o ICMS devido à unidade federada de origem, relativo à obrigação própria do remetente, deverá ser calculado com a utilização da alíquota interestadual;

c) nas operações realizadas por Estados não signatários do Protocolo, o imposto será exigido a partir do momento do ingresso da mercadoria ou bem no território da unidade federada do destino.

Nos autos da ADI 4628, por meio de decisão proferida em 19.02.2014 (DJE 20.02.2014), foi concedida a medida cautelar pleiteada para suspender a aplicação do Protocolo 21/2011 e, por unanimidade, em sessão plenária de 17.09.2014, o Tribunal julgou procedente a ação para declarar inconstitucional o Protocolo 21/2011. Nas palavras do relator:

"5. O ICMS incidente na aquisição decorrente de operação interestadual e por meio não presencial (internet, telemarketing, showroom) por consumidor final não contribuinte do tributo não pode ter regime jurídico fixado por Estados-membros não favorecidos, sob pena de contrariar o arquétipo constitucional delineado pelos arts. 155, §2º, inciso VII, b, e 150, IV e V, da CRFB/88.
6. A alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte do ICMS, é devida à unidade federada de origem, e não à destinatária, máxime porque regime tributário diverso enseja odiosa hipótese de bitributação, em que os signatários do protocolo invadem competência própria daquelas unidades federadas (de origem da mercadoria ou bem) que constitucionalmente têm o direito de constar como sujeitos ativos da relação tributária quando da venda de bens ou serviços a consumidor final não contribuinte localizado em outra unidade da Federação.
(...)
10. Os Estados membros, diante de um cenário que lhes seja desfavorável, não detém competência constitucional para instituir novas regras de cobrança de ICMS, em confronto com a repartição constitucional estabelecida.
(...)
13. Os imperativos constitucionais relativos ao ICMS se impõem como instrumentos de preservação da higidez do pacto federativo, et pour cause, o fato de tratar-se de imposto estadual não confere aos Estados membros a prerrogativa de instituir, sponte sua, novas regras para a cobrança do imposto, desconsiderando o altiplano constitucional.
14. O Pacto Federativo e a Separação de Poderes, erigidos como limites materiais pelo constituinte originário, restam ultrajados pelo Protocolo nº 21/2011, tanto sob o ângulo formal quanto material, ao criar um cenário de guerra fiscal difícil de ser equacionado, impondo ao Plenário desta Suprema Corte o dever de expungi-lo do ordenamento jurídico pátrio.
15. Ação direta de inconstitucionalidade julgada PROCEDENTE
".

3) Súmula Vinculante 69 - PGR envia parecer favorável ao STF
Desde 2012 discute-se a aprovação da proposta de Súmula Vinculante 69, de autoria do Ministro Gilmar Mendes, que numa tentativa de consolidar o entendimento já pacificado pelo STF quanto à concessão de benefícios fiscais em desacordo com o disposto na Lei Complementar nº 24/75, dispõe:

"Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, é inconstitucional".

Embora existam inúmeras manifestações contrárias à súmula e pautada em argumentos juridicamente relevantes, a ameaça de sua aprovação vem assombrando os contribuintes desde 2012 e, ao que tudo parece, o STF vem adiando a sua aprovação numa tentativa esperançosa de um acordo firmado entre os Estados no âmbito do CONFAZ.

Em 14.04.2014 o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, encaminhou ao STF parecer datado de 31.03.2014 em que a Procuradoria se manifesta pela aprovação da súmula 69, de acordo com o Procurador:

"(...) caso a súmula vinculante seja aprovada, todos os incentivos fiscais concedidos após a sua vigência em inobservância à regra nela inscrita deverão ser considerados inconstitucionais. Assim, os Estados 'concorrentes' poderão reclamar direto ao Supremo, alegando o descumprimento do enunciado sumulado, o que será um caminho célere para afastar o incentivo inconstitucionalmente concedido, se comparado com o rito das ações de controle concentrado ajuizadas até hoje" (01).

Contudo, deve-se ressaltar que, apesar de em 2014 terem sido publicadas diversas matérias e artigos a respeito da súmula 69, neste ano não houve por parte do STF qualquer manifestação no sentido da aprovação da súmula.

4) Convênio 70/2014
Em 30.07.2014 o CONFAZ publicou no D.O.U. o Convênio 70/2014 que, embora em termos práticos não tenha apresentado nenhuma alteração no cenário da guerra fiscal existente desde 1988, o Convênio além de divulgar as diretrizes que vem sendo discutidas pelos Estados para solucionar o conflito, deixa aparente a discordância entre os entes federativos, visto que os Estados do Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Rio Grande do Norte e Santa Catarina não assinaram o acordo.

Da análise do referido Convênio é possível perceber que, como proposta para a solução do problema da guerra fiscal gerada pela atual sistemática de tributação do ICMS, estão sendo discutidas pelos Estados no âmbito do CONFAZ e do Legislativo, as seguintes alterações:

a) os benefícios fiscais concedido em desacordo com a Lei Complementar nº 24/75;

b) a redução gradual das alíquotas de ICMS a serem aplicadas nas operações interestaduais;

c) a repartição do ICMS incidente nas operações e prestações interestaduais destinadas a não contribuintes entre os Estados de origem e de destino;

d) a instituição de fundos federativos, com recursos da União para compensar as perdas de arrecadação decorrente das referidas alterações.

5) Câmara dos deputados aprova PEC 197/2012
Em trâmite na Câmara dos Deputados desde 10.07.2012 a Proposta de Emenda Constitucional - PEC 197/20012 foi aprovada em primeiro turno em 11.11.2014.

A proposta altera o §2º, do artigo 155, da Constituição Federal, para estabelecer a divisão do imposto incidente nas operações e prestações interestaduais destinadas a consumidor final, de forma que:

a) nas operações e prestações interestaduais destinadas a consumidor final, contribuinte ou não contribuinte do ICMS, aplica-se a alíquota interestadual;

b) caberá ao Estado de destino a parcela do imposto correspondente ao diferencial de alíquotas, cuja responsabilidade pelo recolhimento será atribuída:

b.1) ao destinatário das mercadorias, quando for contribuinte do ICMS;

b.2) ao remetente das mercadorias, quando o destinatário for não contribuinte do ICMS;

A PEC 197/2012 também acrescenta ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias o artigo 99, para estabelecer um cronograma de partilha do imposto correspondente ao diferencial de alíquotas devido nas operações e prestações interestaduais destinadas a consumidor não contribuintes entre os Estados de origem e destino, nos seguintes termos:

"Art. 99. Para efeito do disposto no inciso VII do §2º do art. 155, no caso de operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte, localizado em outro Estado, o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e destino, na seguinte proporção:
I - para o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o Estado de origem;
II - para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e 60% (sessenta por cento) para o Estado de origem;
III - para o ano de 2017: 60% (sessenta por cento) para o Estado de destino e 40% (quarenta por cento) para o Estado de origem;
IV - para o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte por cento) para o Estado de origem;
V - a partir do ano de 2019: 100% (cem por cento) para o Estado de destino
".

Embora a Proposta 197/2012 esteja em trâmite desde julho de 2012 é possível afirmar que a sua trajetória até a efetiva promulgação da emenda constitucional está apenas iniciando, visto que, após aprovada em primeiro turno pela Câmara dos Deputados, a Proposta passará por um segundo turno de votação na Câmara e depois de aprovada será encaminhada para o Senado Federal para apreciação em dois turnos, conforme determina o artigo 60, da Constituição Federal.

Conclusão e perspectivas para os próximos anos
O ano de 2014 foi de muitas propostas e discussões quanto às possíveis alterações na sistemática de tributação do ICMS para apaziguar o cenário da guerra fiscal atualmente deflagrada entre os Estados, contudo ainda não é possível estimar quanto tempo levará até que alguma solução seja efetivamente aprovada.

No entanto, ao que tudo indica, as possíveis alterações são:

a) a divisão do ICMS incidente nas operações e prestações interestaduais destinadas a não contribuintes entre os Estados de origem e destino;

b) a redução gradativa da alíquota alíquota interestadual;

c) a inaplicabilidade dos benefícios fiscais concedidos em desacordo com a Lei Complementar nº 24/75.

Nota
(01) Procuradoria Geral da República - Parecer nº 2686/2014 - Disponível em http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_pdfs/Parecer%20em%20PSV%20n%2069.pdf (Publicado originalmente em Thomson Reuters - FISCOSoft)

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