quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Guerra Fiscal do ICMS: Retrospectiva 2014

O ano de 2014 foi de muitas emoções para os brasileiros. Entre a realização da Copa do Mundo, maior evento futebolístico do mundo, e de eleições presidenciáveis pautadas por manifestações, denúncias e inúmeras discussões sobre reforma econômica e tributária, o velho tema "guerra fiscal" permaneceu em pauta em decisões proferidas pelo Supremo Tributal Federal, em Propostas de Emendas Constitucionais debatidas no Legislativo, em reuniões realizadas pelos Estados no âmbito do CONFAZ - Conselho Nacional de Política Fazendária e sobretudo em matérias amplamente divulgadas pela mídia.

Instaurada desde a repartição da receita decorrente da arrecadação do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS entre os Estados pela Constituição Federal em 1988, a guerra fiscal consiste na disputa, por meio da concessão de benefícios e incentivos fiscais, para que um maior número de empresas se instale em seus territórios e, consequentemente, aumente a sua arrecadação de ICMS, visto que em regra o imposto é devido para o Estado de origem das mercadorias.

Visando demonstrar a direção que vem sendo adotada pela sociedade no intuito de combater a guerra fiscal instaurada entre os Estados, o presente artigo relaciona os principais acontecimentos ocorridos no ano de 2014.

1) Julgamento da ADI 310 - Isenção do ICMS nas operações destinadas à Zona Franca de Manaus
Proposta pelo Governador do Estado do Amazonas em 20.06.1990, a Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 310 foi julgada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal - STF em 19.02.2014 para declarar inconstitucionais os Convênios 1, 2 e 6 de 1990, firmados entre os Estados não integrantes da área incentivada com o intuito de restringir a aplicação do benefício de isenção aplicável às operações destinadas à Zona Franca de Manaus.

Embora tenha decorrido cerca de 24 anos entre a propositura da ação e o julgamento da ADI pelo STF, a eficácia dos Convênios 1, 2 e 6/1990 já estava suspensa desde 25.10.1990 em função de medida cautelar deferida pelo Plenário do STF.

Em termos práticos, considerando que a eficácia dos referidos Convênios já se encontrava suspensa desde outubro de 1990, não há o que se falar em reflexo efetivo do julgamento final da ADI 310 nas operações atualmente realizadas por contribuintes do ICMS com destino à Zona Franca de Manaus.

Contudo, o julgamento da ADI 310 possibilita a afirmação de que a isenção do ICMS prevista no Convênio 65/88 aplica-se às operações destinadas à Zona Franca de Manaus:

a) com cana de açúcar;

b) com produtos industrializados semielaborados;

c) poderá o estabelecimento industrial que promover a saída de produtos industrializados de origem nacional para comercialização ou industrialização na Zona Franca de Manaus, manter os créditos de ICMS relativos a matérias primas, materiais secundários e materiais de embalagens utilizados na produção dos bens objeto da isenção.

A análise da ADI310 possibilita também perceber o quanto é antiga a discussão dos Estados quanto à divisão da receita da arrecadação do ICMS e afirmar que a chamada "Guerra Fiscal" remonta aos tempos da promulgação da Constituição Federal (1988).

2) Julgamento da ADI 4628 - Divisão do ICMS nas vendas não presenciais - Inconstitucionalidade do Protocolo 21/2011
Proposta pela Confederação Nacional do Comércio de Bens Serviços e Turismo - CNC em 01/07/2011, a ADI 4628 como pedido liminar requereu a suspensão do Protocolo 21/2011 e como pedido definitivo pleiteou que fosse declarada a sua inconstitucionalidade, sob a alegação de afronta ao disposto no artigo 155, § 2º, inciso VII, da Constituição Federal.

No cenário da "guerra fiscal" em que os Estados concedem benefícios fiscais (isenção, redução de base de cálculo, crédito presumido, etc.) não autorizados em Convênios, como forma de tornar mais atrativa a instalação de contribuintes do ICMS em seu território e consequentemente aumentar o produto de suas arrecadações, os Estados do Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia e Sergipe e o Distrito Federal numa tentativa desesperada de obter uma fatia do montante do ICMS arrecadado pelos grandes centros de e-commerce (Regiões Sul e Sudeste) nas operações efetuadas de forma não presencial (internet, telemarketing e showroom) com destino a não contribuintes, celebraram o Protocolo 21/2011, estabelecendo, entre outras coisas, que:

a) nas vendas por meio não presencial para não contribuintes o estabelecimento remetente recolherá para o Estado de destino a parcela de imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;

b) o ICMS devido à unidade federada de origem, relativo à obrigação própria do remetente, deverá ser calculado com a utilização da alíquota interestadual;

c) nas operações realizadas por Estados não signatários do Protocolo, o imposto será exigido a partir do momento do ingresso da mercadoria ou bem no território da unidade federada do destino.

Nos autos da ADI 4628, por meio de decisão proferida em 19.02.2014 (DJE 20.02.2014), foi concedida a medida cautelar pleiteada para suspender a aplicação do Protocolo 21/2011 e, por unanimidade, em sessão plenária de 17.09.2014, o Tribunal julgou procedente a ação para declarar inconstitucional o Protocolo 21/2011. Nas palavras do relator:

"5. O ICMS incidente na aquisição decorrente de operação interestadual e por meio não presencial (internet, telemarketing, showroom) por consumidor final não contribuinte do tributo não pode ter regime jurídico fixado por Estados-membros não favorecidos, sob pena de contrariar o arquétipo constitucional delineado pelos arts. 155, §2º, inciso VII, b, e 150, IV e V, da CRFB/88.
6. A alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte do ICMS, é devida à unidade federada de origem, e não à destinatária, máxime porque regime tributário diverso enseja odiosa hipótese de bitributação, em que os signatários do protocolo invadem competência própria daquelas unidades federadas (de origem da mercadoria ou bem) que constitucionalmente têm o direito de constar como sujeitos ativos da relação tributária quando da venda de bens ou serviços a consumidor final não contribuinte localizado em outra unidade da Federação.
(...)
10. Os Estados membros, diante de um cenário que lhes seja desfavorável, não detém competência constitucional para instituir novas regras de cobrança de ICMS, em confronto com a repartição constitucional estabelecida.
(...)
13. Os imperativos constitucionais relativos ao ICMS se impõem como instrumentos de preservação da higidez do pacto federativo, et pour cause, o fato de tratar-se de imposto estadual não confere aos Estados membros a prerrogativa de instituir, sponte sua, novas regras para a cobrança do imposto, desconsiderando o altiplano constitucional.
14. O Pacto Federativo e a Separação de Poderes, erigidos como limites materiais pelo constituinte originário, restam ultrajados pelo Protocolo nº 21/2011, tanto sob o ângulo formal quanto material, ao criar um cenário de guerra fiscal difícil de ser equacionado, impondo ao Plenário desta Suprema Corte o dever de expungi-lo do ordenamento jurídico pátrio.
15. Ação direta de inconstitucionalidade julgada PROCEDENTE
".

3) Súmula Vinculante 69 - PGR envia parecer favorável ao STF
Desde 2012 discute-se a aprovação da proposta de Súmula Vinculante 69, de autoria do Ministro Gilmar Mendes, que numa tentativa de consolidar o entendimento já pacificado pelo STF quanto à concessão de benefícios fiscais em desacordo com o disposto na Lei Complementar nº 24/75, dispõe:

"Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, é inconstitucional".

Embora existam inúmeras manifestações contrárias à súmula e pautada em argumentos juridicamente relevantes, a ameaça de sua aprovação vem assombrando os contribuintes desde 2012 e, ao que tudo parece, o STF vem adiando a sua aprovação numa tentativa esperançosa de um acordo firmado entre os Estados no âmbito do CONFAZ.

Em 14.04.2014 o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, encaminhou ao STF parecer datado de 31.03.2014 em que a Procuradoria se manifesta pela aprovação da súmula 69, de acordo com o Procurador:

"(...) caso a súmula vinculante seja aprovada, todos os incentivos fiscais concedidos após a sua vigência em inobservância à regra nela inscrita deverão ser considerados inconstitucionais. Assim, os Estados 'concorrentes' poderão reclamar direto ao Supremo, alegando o descumprimento do enunciado sumulado, o que será um caminho célere para afastar o incentivo inconstitucionalmente concedido, se comparado com o rito das ações de controle concentrado ajuizadas até hoje" (01).

Contudo, deve-se ressaltar que, apesar de em 2014 terem sido publicadas diversas matérias e artigos a respeito da súmula 69, neste ano não houve por parte do STF qualquer manifestação no sentido da aprovação da súmula.

4) Convênio 70/2014
Em 30.07.2014 o CONFAZ publicou no D.O.U. o Convênio 70/2014 que, embora em termos práticos não tenha apresentado nenhuma alteração no cenário da guerra fiscal existente desde 1988, o Convênio além de divulgar as diretrizes que vem sendo discutidas pelos Estados para solucionar o conflito, deixa aparente a discordância entre os entes federativos, visto que os Estados do Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Rio Grande do Norte e Santa Catarina não assinaram o acordo.

Da análise do referido Convênio é possível perceber que, como proposta para a solução do problema da guerra fiscal gerada pela atual sistemática de tributação do ICMS, estão sendo discutidas pelos Estados no âmbito do CONFAZ e do Legislativo, as seguintes alterações:

a) os benefícios fiscais concedido em desacordo com a Lei Complementar nº 24/75;

b) a redução gradual das alíquotas de ICMS a serem aplicadas nas operações interestaduais;

c) a repartição do ICMS incidente nas operações e prestações interestaduais destinadas a não contribuintes entre os Estados de origem e de destino;

d) a instituição de fundos federativos, com recursos da União para compensar as perdas de arrecadação decorrente das referidas alterações.

5) Câmara dos deputados aprova PEC 197/2012
Em trâmite na Câmara dos Deputados desde 10.07.2012 a Proposta de Emenda Constitucional - PEC 197/20012 foi aprovada em primeiro turno em 11.11.2014.

A proposta altera o §2º, do artigo 155, da Constituição Federal, para estabelecer a divisão do imposto incidente nas operações e prestações interestaduais destinadas a consumidor final, de forma que:

a) nas operações e prestações interestaduais destinadas a consumidor final, contribuinte ou não contribuinte do ICMS, aplica-se a alíquota interestadual;

b) caberá ao Estado de destino a parcela do imposto correspondente ao diferencial de alíquotas, cuja responsabilidade pelo recolhimento será atribuída:

b.1) ao destinatário das mercadorias, quando for contribuinte do ICMS;

b.2) ao remetente das mercadorias, quando o destinatário for não contribuinte do ICMS;

A PEC 197/2012 também acrescenta ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias o artigo 99, para estabelecer um cronograma de partilha do imposto correspondente ao diferencial de alíquotas devido nas operações e prestações interestaduais destinadas a consumidor não contribuintes entre os Estados de origem e destino, nos seguintes termos:

"Art. 99. Para efeito do disposto no inciso VII do §2º do art. 155, no caso de operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte, localizado em outro Estado, o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e destino, na seguinte proporção:
I - para o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o Estado de origem;
II - para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e 60% (sessenta por cento) para o Estado de origem;
III - para o ano de 2017: 60% (sessenta por cento) para o Estado de destino e 40% (quarenta por cento) para o Estado de origem;
IV - para o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte por cento) para o Estado de origem;
V - a partir do ano de 2019: 100% (cem por cento) para o Estado de destino
".

Embora a Proposta 197/2012 esteja em trâmite desde julho de 2012 é possível afirmar que a sua trajetória até a efetiva promulgação da emenda constitucional está apenas iniciando, visto que, após aprovada em primeiro turno pela Câmara dos Deputados, a Proposta passará por um segundo turno de votação na Câmara e depois de aprovada será encaminhada para o Senado Federal para apreciação em dois turnos, conforme determina o artigo 60, da Constituição Federal.

Conclusão e perspectivas para os próximos anos
O ano de 2014 foi de muitas propostas e discussões quanto às possíveis alterações na sistemática de tributação do ICMS para apaziguar o cenário da guerra fiscal atualmente deflagrada entre os Estados, contudo ainda não é possível estimar quanto tempo levará até que alguma solução seja efetivamente aprovada.

No entanto, ao que tudo indica, as possíveis alterações são:

a) a divisão do ICMS incidente nas operações e prestações interestaduais destinadas a não contribuintes entre os Estados de origem e destino;

b) a redução gradativa da alíquota alíquota interestadual;

c) a inaplicabilidade dos benefícios fiscais concedidos em desacordo com a Lei Complementar nº 24/75.

Nota
(01) Procuradoria Geral da República - Parecer nº 2686/2014 - Disponível em http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_pdfs/Parecer%20em%20PSV%20n%2069.pdf (Publicado originalmente em Thomson Reuters - FISCOSoft)

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Lei da Transparência, ainda uma incógnita para os contribuintes!

Mesmo após um ano do início da vigência da Lei nº 12.741/2012 e mais de um ano e meio de sua publicação poucos são os estabelecimentos que se adequaram às novas regras trazidas pela intitulada "Lei da Transparência" e são inúmeras as dúvidas quanto ao cumprimento da obrigação de indicar nos documentos a carga tributária incidente na operação ou prestação.

Publicada no DOU de 10.12.2012, a "Lei da Transparência" entrou em vigor em 10.06.2013, contudo o dispositivo que previa a aplicação de penalidades aos estabelecimentos que deixassem de cumpri-la foi alterado pela Lei nº 12.868/2013, para estabelecer que somente haveria aplicação das penalidades doze meses após o início da vigência, ou seja, a partir de 10.06.2014.

Diante da ausência de norma coercitiva (penalidade) e das dificuldades em cumprir o estabelecido pela Lei nº 12.741, sobretudo no que se refere a apuração da carga tributária incidente na formação do preço das mercadorias e serviços, muitos estabelecimentos postergaram o cumprimento da obrigatoriedade, de forma que atualmente poucas são as empresas que estão aptas à informar em seus documentos fiscais ou equivalentes o percentual dos tributos.

Em 06.06.2014, véspera do prazo fixado pela Lei nº 12.868/2013 para início da aplicação das penalidades, atendendo ao apelo das empresas que ainda não estavam preparadas para cumprir a obrigação, foi publicada no DOU a Medida Provisória nº 649/2014 para alterar a redação do artigo 5º da Lei nº 12.741/2012 e estabelecer que até 31.12.2014 a fiscalização teria caráter exclusivamente orientador.

Contudo, não convertida em lei, a Medida Provisória nº 649/2014 teve seu prazo de vigência encerrado em 03.10.2014, ou seja, desde 04.10.2014 os contribuintes que deixarem de cumprir as disposições da "Lei da Transparência" estarão sujeitos "às sanções previstas no Capítulo VII do Título I da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990" (art. 5º, Lei nº 12.741/12).

Obrigatoriedade de divulgação da carga tributária aos consumidores

No que tange ao cumprimento da obrigação estabelecida "Lei da Transparência", primeiramente, é preciso esclarecer que a mencionada obrigação não decorre da necessidade de atender a exigência fiscal/tributária, mas da necessidade de cumprir um direito garantido aos consumidores pelo §5º do artigo 150 da Constituicao Federal, a saber:

"§5º A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços".

Desta forma, visando garantir aos consumidores o direito constitucional de conhecer a carga tributária incidente no preço pago na aquisição de mercadorias e serviços, a Lei nº 12.741/2014 estabeleceu a obrigatoriedade dos estabelecimentos indicarem em documento fiscal, equivalente a fiscal ou em painel afixado em local visível o valor aproximado dos tributos federais, estaduais e municipais, incidentes sobre mercadorias e serviços.

Entre os tributos que devem ser considerados na apuração da carga tributária, quando influírem na formação do preço, a Lei nº 12.741/2012 e o Decreto nº 8.264/2014 listaram:

a) Imposto sobre Operações relativas a Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS;

b) Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS;

c) Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI;

d) Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários - IOF, na hipótese de produtos financeiros sobre os quais incida diretamente o tributo;

e) Contribuição Social para o Programa de Integração Social - PIS e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público - Pasep, limitada à tributação incidente sobre a operação de venda ao consumidor;

f) Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins, limitada à tributação incidente sobre a operação de venda ao consumidor;

g) Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível - Cide.

h) Imposto de Importação, PIS/Pasep-Importação e à Cofins-Importação, na hipótese de produtos cujos insumos ou componentes sejam oriundos de operações de comércio exterior e representem percentual superior a 20% do preço de venda;

i) Contribuição Previdenciária, sempre que o pagamento de pessoal constituir item de custo direto do serviço ou produto fornecido ao consumidor.

De acordo com o disposto na Lei nº 12.741/2012 e no Decreto nº 8.264/2014, os estabelececimentos devem apurar os valores aproximados do montante dos referidos tributos incidentes na operação ou prestação, podendo:

"ser calculados e fornecidos, semestralmente, por instituição de âmbito nacional reconhecidamente idônea, voltada primordialmente à apuração e análise de dados econômicos" e baseados em "médias estimadas dos diversos tributos e baseados nas tabelas da Nomenclatura Comum do Mercosul - NCM e da Nomenclatura Brasileira de Serviços - NBS" (art. 5º, Dec. nº 8.264/2014).

No tocante ao procedimento para informação dos referidos valores aos consumidores é importante observar que, embora a Lei não tenha estabelecido a obrigatoriedade de segregar os valores por ente tributante, o Decreto nº 8.264/2014, estabeleceu em seu artigo 2º, que:

"nas vendas ao consumidor, a informação, nos documentos fiscais, relativa ao valor aproximado dos tributos federais, estaduais e municipais que influem na formação dos preços de mercadorias e serviços, constará de três resultados segregados para cada ente tributante, que aglutinarão as somas dos valores ou percentuais apurados em cada ente".

Inovações estabelecidas pelo Decreto nº 8.264/2014
Com o escopo de regulamentar a Lei nº 12.741/2012, foi publicado no DOU de 06.06.2014 o Decreto 8.264/2014 que, embora tenha traçado algumas diretrizes para o cumprimento da obrigação de divulgar aos consumidores o valor dos tributos incidentes no preço das mercadorias e serviços, limitou-se em muitos de seus dispositivos a repetir os termos da referida Lei.

Entre as novidades estabelecidas pelo Decreto nº 8.264/2014, a necessidade de segregar os tributos por ente tributante parece ser a mais impactante, visto que, até então, o entendimento que vinha prevalecendo era no sentido de que deveria ser informado um único valor compreendendo a totalidade dos tributos.

Outras pontos significativos que merecem no Decreto nº 8.264/2014 são:

a) a possibilidade de informar a carga tributária relativa à última etapa da cadeia produtiva, "acrescida de percentual ou valor nominal estimado a título de IPI, substituição tributária e outra incidência tributária anterior monofásica eventualmente ocorrida" (art. 3º, §7º);

b) a limitação à possibilidade das informações serem prestadas através de "painel afixado em local visível do estabelecimento" somente nas hipóteses em que "não seja obrigatória a emissão de documento fiscal ou equivalente" (art. 4º);

c) a possibilidade do cálculo ser elaborado com "médias estimadas dos diversos tributos e baseados nas tabelas da Nomenclatura Comum do Mercosul - NCM e da Nomenclatura Brasileira de Serviços - NBS" (art. 5º, parágrafo único);

d) o esclarecimento de que a indicação dos "valores e percentuais (...) têm caráter meramente informativo, visando somente ao esclarecimento dos consumidores" (art. 6º);

e) a faculdade do Microempreendedor Individual - MEI, optante do Simples Nacional, optar ou não pelo cumprimento da obrigação (art. 8º);

f) a possibilidade da Microempresa e a Empresa de Pequeno Porte, optantes do Simples Nacional, informar "apenas a alíquota a que se encontram sujeitas nos termos do referido regime, desde que acrescida de percentual ou valor nominal estimado a título de IPI, substituição tributária e outra incidência tributária anterior monofásica eventualmente ocorrida" (art. 9º).

Como se vê, apesar do Decreto nº 8.264/2014 ter esclarecido alguns pontos quanto ao cumprimento da "Lei da Transparência", não estabeleceu muitas novidades/explicações quanto a forma de sua apuração, restando aos contribuintes a esperança de que as normas a serem editadas pelo Ministério da Fazenda, Ministério da Justiça e Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República, em conformidade com o artigo 10 do referido Decreto, sejam mais elucidativas.

Apuração da carga tributária e conceito de consumidor

É importante observar que, apesar do Decreto nº 8.264/2014 ter abrangido dúvidas relevantes quanto ao cumprimento da Lei nº 12.741/2012, não foram muito significativos os esclarecimentos relativos ao cálculo da carga tributária e quanto à definição de consumidor final a ser adotado para o cumprimento da obrigação, pontos que concentram as maiores dúvidas das empresas até o momento.

Assim, diante da ausência de previsão específica e considerando que a "Lei da Transparência", embora vinculada à normas fiscais/tributárias, visa atender uma necessidade da área consumerista (Direito do Consumidor), prevalece o entendimento de que deve ser adotado conceito de consumidor estabelecido no artigo 2º, do Código de Defesa do Consumidor - CDC (Lei nº 8.078/90), a saber:

"Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".

Nesse ínterim, convém ressaltar que, embora existam várias correntes doutrinárias quanto a abrangência do termo "consumidor", o Superior Tribunal de Justiça - STJ pacificou entendimento quanto a aplicação da teoria finalista, no sentido de que considera-se consumidor, para fins de aplicação do CDC, a pessoa física ou jurídica destinatária final do bem ou serviço, a saber:

"DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL DE CARGAS. ATRASO. CDC. AFASTAMENTO. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. APLICAÇÃO. 1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica.
2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo.
3. Em situações excepcionais, todavia, esta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista, para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade.
4. Na hipótese em análise, percebe-se que, pelo panorama fático delineado pelas instâncias ordinárias e dos fatos incontroversos fixados ao longo do processo, não é possível identificar nenhum tipo de vulnerabilidade da recorrida, de modo que a aplicação do CDC deve ser afastada, devendo ser preservada a aplicação da teoria finalista na relação jurídica estabelecida entre as partes. 5. Recurso especial conhecido e provido"
.
(STJ - Resp 1358231/SP - Dje 17/06/2013 - Rel. Min. Nancy Andrighi)

Portanto, considerando que o escopo da Lei nº 12.741/2012 é informar o consumidor, em linhas gerais, para sua aplicação, deve-se considerar consumidor qualquer pessoa física ou jurídica que adquirir produtos ou serviços para consumo próprio, sem vinculá-lo à operação ou prestação subsequente.

Conclusão
Decorridos mais de 25 anos da promulgação da Constituição Federal, a "Lei da Transparência" veio para garantir aos consumidores o direito de ser informado quanto ao montante dos tributos incidentes nos preços das mercadorias e serviços que adquirir.

No entanto, a complexidade do sistema tributário brasileiro tem dificultado sobretudo a apuração da carga tributária incidente nas operações e prestações, o que faz com que, entre os contribuintes que estejam informando a carga tributária aos consumidores, poucos cumpram a obrigação de forma adequada.

Contudo, diante do encerramento do prazo de vigência da Medida Provisória nº 649/2014, desde 04.10.2014 os estabelecimentos que descumprirem as disposições da "Lei da Transparência" estão sujeitos às penalidades estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).
(Publicado originalmente em Thomson Reuters - FISCOSoft)

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Convênio 70/2014: diretrizes para solução da guerra fiscal

Nos últimos anos muito tem se falado em guerra fiscal, ocasionada principalmente pela concessão de benefícios fiscais em discordância com o disposto na Lei Complementar nº 24/75 e pela insatisfação dos Estados com a divisão do produto da arrecadação do ICMS nas operações interestaduais.

Conforme determina a Lei Complementar 24/75, os benefícios fiscais (isenção, redução de base de cálculo, crédito presumido, etc.) devem ser concedidos mediante a celebração de Convênios entre os Estados e o Distrito Federal, contudo esta não é a realidade atual, na legislação dos Estados existem várias hipóteses de aplicação de benefícios não autorizados pelo CONFAZ, o que muitas vezes implica em glosa de créditos pelas demais Unidades Federadas, como ocorre com São Paulo e Rio Grande do Sul que, no Comunicado CAT nº 36/2004 e IN 45/98, Apêndice XXVII, respectivamente, limitam o aproveitamento do crédito de ICMS relativo às mercadorias adquiridas de Estados que concedam benefícios fiscais não previstos em Convênios.

Diante desse cenário e após a realização de inúmeras reuniões infrutíferas, no dia 30 de agosto o CONFAZ publicou no D.O.U. o Convênio 70/2014 divulgando algumas das diretrizes que vem sendo discutidas para alteração sistemática de tributação do ICMS no intuito de solucionar o problema da guerra fiscal, entre as quais destacamos: a) redução progressiva das alíquotas interestaduais; b) repartição da receita decorrente das operações interestaduais destinadas a não contribuintes, mediante aplicação da alíquota interestadual e recolhimento do diferencial de alíquotas em favor do Estado de destino.

Contudo, apesar da aplicação efetiva dessas alterações ainda parecer distante,pois dependerá, dentre outras coisas, da promulgação de Emenda Constitucional, da edição de Resolução pelo Senado Federal e da concordância dos Estados do Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Rio Grande do Norte e Santa Catarina que não assinaram o Convênio 70/2014, a sua publicação é sem dúvida uma demonstração das possíveis alterações que os contribuintes podem esperar para os próximos anos.
Flavia de Almeida Silva Consultora de Tributos Indiretos Thomson Reuters – FISCOSoft (Publicado originalmente em Boletim Contábil - Agosto/2014 - Thomson Reuters - FISCOSoft)

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Suspensão do Protocolo 21/2011: Uma vitória dos contribuintes

Desde a publicação da Constituição Federal vigente convencionou-se que nas operações e prestações interestaduais que destinarem bens e serviços para consumidor final não contribuinte do ICMS o imposto seria recolhido integralmente para o Estado de origem mediante aplicação da alíquota interna.

À época, considerando que as vendas para não contribuintes ocorriam em sua maioria dentro do próprio Estado e que apenas esporadicamente o não contribuinte adquiria produtos de estabelecimentos localizados em outras Unidades da Federação, a divisão do imposto relativo às operações interestaduais na forma prevista no inciso VII, do §2º, do artigo 155 da Constituição Federal, pareceu razoável para os Estados.
"VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:
a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele".

Nas vendas interestaduais para consumidor final contribuinte do ICMS, o remetente tributa a operação mediante aplicação da alíquota interestadual, que pode ser de 4%, 7% ou 12%, conforme origem do produto, tipo do serviço ou Estado de destino (Resoluções SF nºs 22/89, 95/96 e 13/2012), situação em que caberá ao destinatário que adquiriu o produto para uso, consumo ou ativo permanente (consumidor final) recolher para o seu Estado a parcela do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna, prevista no Estado destinatário, e a interestadual (diferencial de alíquotas), conforme determina o inciso VIII, do §2º, do artigo 155 da Constituição Federal.

"VIII - na hipótese da alínea a do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual".

Por sua vez, nas vendas para não contribuintes localizados em outro Estado o imposto é recolhido integralmente para o Estado de origem mediante aplicação da alíquota interna.

Contudo, com o passar do tempo e com a evolução das formas de comércio e de comunicação, esta forma de tributação passou a causar desigualdades e discordâncias entre os Estados, pois passou a ser cada vez mais acessível aos não contribuintes a possibilidade de adquirir mercadoria por meio de televendas, showrooms e e-commerce.

O ápice desta discordância se deu principalmente a partir dos anos 2000, com o maior acesso dos brasileiros à internet e o crescimento acelerado do comércio eletrônico (e-commerce), que levou os consumidores, que antes costumavam efetuar suas compras na forma presencial, a utilizar as facilidades e comodidade das compras por meio da internet, com possibilidade de aquisição de produtos de qualquer parte do país ou do mundo.

Com o maior acesso dos brasileiros aos meios virtuais, proporcionalmente aos ganhos do e-commerce, as vendas presenciais perderam mercado, o que desencadeou em discórdias e desigualdades entre os Estados, visto que o comércio varejista eletrônico concentrou-se massivamente nas regiões sul e sudeste do país, concentrando ali um grande parcela do produto da arrecadação do ICMS.

Diante deste cenário, Estados da região norte, nordeste e centro-oeste se uniram e celebraram junto ao Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ o Protocolo 21/2011 em que, a revelia do disposto no inciso VII, do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal, convencionou-se que parte do imposto devido nas vendas interestaduais, efetuadas para não contribuintes do ICMS, por meio não presencial (internet, telemarketing ou showroom), deveria ser recolhido para o Estado de destino.

Protocolo 21/2011 - Celebração, aplicação e divergências
O Protocolo 21/2011, publicado no D.O.U. de 07.04.2011 e com vigor a partir de 1º.05.2011, foi inicialmente firmado entre os Estados do Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia e Sergipe e o Distrito Federal, possuindo como justificativa para sua celebração as seguintes considerações de que:

a) a sistemática atual do comércio mundial permite a aquisição de mercadorias e bens de forma remota;

b) o aumento da modalidade de comércio de forma não presencial, especialmente as compras por meio da internet, telemarketing e showroom, deslocou as operações comerciais com consumidor final, não contribuintes de ICMS, para vertente diferente daquela que ocorria predominante quando da promulgação da Constituição Federal de 1988;

c) o imposto incidente sobre as operações de que trata este protocolo é imposto sobre o consumo, cuja repartição tributária deve observar esta natureza do ICMS, que a Carta Magna na sua essência assegurou às unidades federadas onde ocorre o consumo da mercadoria ou bem;

d) a substancial e crescente mudança do comércio convencional para essa modalidade de comércio, persistindo, todavia, a tributação apenas na origem, o que não coaduna com a essência do principal imposto estadual, não preservando a repartição do produto da arrecadação dessa operação entre as unidades federadas de origem e de destino.

Com base nas referidas justificativas e a revelia da autorização das demais Unidades da Federação, os Estados signatários, por meio do Protocolo 21/2011, entre outras coisas, decidiram que:

a) nas vendas, por meio não presencial (internet, telemarketing ou showroom), para não contribuintes, o estabelecimento remetente recolherá para o Estado de destino a parcela de imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;

b) a exigência do imposto aplica-se, inclusive, nas operações procedentes de unidades da Federação não signatárias do protocolo;

c) o ICMS devido à unidade federada de origem, relativo à obrigação própria do remetente, deverá ser calculado com a utilização da alíquota interestadual;

d) nas operações realizadas por Estados não signatários do Protocolo, o imposto será exigido a partir do momento do ingresso da mercadoria ou bem no território da unidade federada do destino.

Assim, desde a publicação do referido ato instaurou-se nos contribuintes e consumidores de uma forma geral um sentimento de insegurança jurídica, uma vez que os Estados não signatários do Protocolo continuaram exigindo nas vendas para não contribuintes localizados em outros Estados o recolhimento integral do imposto, calculado mediante aplicação da alíquota interna da Unidade Federada de origem e, em contrapartida, os Estados signatários do Protocolo 21/2011, passaram a exigir, como condição para que as mercadorias ingressem em seus territórios, parcela do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual.

Desta forma, se considerarmos, por exemplo, uma operação de venda não presencial com origem no Estado de São Paulo, que em conformidade com a Constituição Federal, estabelece a aplicação da alíquota interna nas operações destinadas a não contribuintes localizados em outros Estados (RICMS/SP, art. 56), com produto sujeito à alíquota interna de 18% tanto em São Paulo quanto no Estado de destino e alíquota interestadual de 7%, seria exigido do remetente o recolhimento correspondente ao montante de:

a) 18%, em favor do Estado de São Paulo;

b) 11%, correspondente à diferença entre a alíquota interna no Estado de destino e a interestadual (18% - 7%=11%), em favor do Estado de destino, signatário do Protocolo 21/2011.

Neste cenário, os contribuintes paulistas, a partir da entrada em vigor do Protocolo 21/2011, se viram compelidos a recolher uma carga tributária de ICMS correspondente à 29%, 18% em favor da origem e 11% em favor do destino.

Diante da exigência do recolhimento do imposto como condição para o ingresso da mercadoria no território dos Estados signatários do Protocolo 21/2011, muitos contribuintes ingressaram com ações judiciais buscando a não aplicação do referido ato.

ADI 4628 - Suspensão do Protocolo 21/2011
Diante das diversas ações, o Supremo Tribunal Federal, em análise ao Recurso Extraordinário nº. 680089 já havia, em decisão publicada no DJE de 10/12/2012, de relatoria do Ministro Luiz Fux, reconhecido a repercussão geral da matéria, sob a alegação de que o tema "é questão relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, e ultrapassa os interesses subjetivos da causa, uma vez que as vendas via comércio eletrônico repercutem na economia pelo volume de operações e impacta financeiramente no orçamento dos entes federados".

Contudo, recentemente, por meio de liminar deferida nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4628 e publicada no DJE de 20/02/2014, o Protocolo 21/2011 teve a sua aplicação suspensa.

A ADI 4628 foi proposta pela Confederação Nacional do Comércio
de Bens Serviços e Turismo - CNC, em 01/07/2011, sob alegação de afronta aos seguintes dispositivos constitucionais:

a) artigo 155, § 2º, inciso VII - que determina a aplicação da alíquota interna nas operações interestaduais destinadas a não contribuintes;

b) artigo 150, inciso IV - que veda a utilização de tributos com efeito de confisco;

c) artigo 150, inciso V - que veda estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio da cobrança de tributos;

d) artigo 150, § 7º - que estabelece a necessidade da substituição tributária relativa aos fatos geradores futuros ser instituída por meio de lei.

No pedido a autora pleiteou a concessão de liminar para suspender a eficácia do Protocolo 21/2011 e a procedência da ação, para declará-lo inconstitucional.

Em trâmite desde 01/07/2011, recentemente a ação direta de inconstitucionalidade teve o pedido de liminar apreciado pelo Relator Ministro Luiz Fux que, acolhendo os argumentos oferecidos pela autora, por meio de decisão proferida em 19/02/2014 e publicada no DJE de 20/02/2014, concedeu a medida cautelar pleiteada para suspender a aplicação do Protocolo 21/2011. A seguir destacamos trecho relevante da referida decisão:

"Note-se que, segundo a Lei Fundamental de 1988 e diversamente do que fora estabelecido no Protocolo ICMS nº 21/2011, a aplicação da alíquota interestadual só tem lugar quando o consumidor final localizado em outro Estado for contribuinte do imposto, mercê do art. 155, § 2º, inciso VII, alínea g, da CRFB/88. Em outras palavras, outorga-se ao Estado de origem, via de regra, a cobrança da exação nas operações interestaduais, excetuando os casos em que as operações envolverem combustíveis e lubrificantes que ficarão a cargo do Estado de destino. Para o bem ou para o mal, esta opção do constituinte originário deve ser observada. E há diversas razões para isso. A primeira delas é que, ante o tratamento constitucional dispensado à matéria, não se afigura legítimo admitir a fixação de novas regras para a cobrança de ICMS pelos Estados membros para além destes parâmetros já esquadrinhados pelo constituinte. Isso subverteria a sistemática de repartição de competências tributárias, notadamente relativa ao ICMS, que tem na Constituição como sede própria para aglutinar tal regramento. Por outro lado, a estrita observância dos imperativos constitucionais relativos aos ICMS se impõe como instrumento de preservação da higidez do pacto federativo. O fato de tratar-se de imposto estadual não confere aos Estados-membros a prerrogativa de instituir, sponte sua, novas regras para a cobrança do imposto, desconsiderando o altiplano constitucional. Em que pese a alegação do agravamento do cenário de desigualdades inter-regionais, em virtude da aplicação do art. 155 § 2º, VII, da Constituição, a correção destas distorções somente poderá emergir pela promulgação de emenda constitucional, operando uma reforma tributária, e não mediante a edição de qualquer outra espécie normativa. Precisamente por não ostentar legitimidade democrática da Assembleia Constituinte ou do constituinte derivado, descabe ao Confaz ou a qualquer das unidades da Federação de forma isolada estipular um novo modelo de cobrança de ICMS nos casos de operações interestaduais quando o destinatário final das mercadorias não for seu contribuinte habitual. Justamente por isso, o afastamento dessa premissa, além de comprometer a integridade nacional ínsita à Federação, gera um ambiente de anarquia normativa, dentro da qual cada unidade federada irá se arvorar da competência de proceder aos ajustes que entenderem necessários para o melhor funcionamento da Federação. Daí por que a correção da engenharia constitucional de repartição de competências tributárias somente p
ode ocorrer legitimamente mediante manifestação do constituinte reformador, por meio da promulgação de emendas constitucionais, e não pela edição de outras espécies normativas (e.g., Protocolos, Resoluções etc.). Não bastasse isso, do ponto de vista sistêmico, não se pode transigir que os Estados-membros editem atos normativos para proceder a tais correções, de forma isolada ou em conjunto com outros Estados, a pretexto de amainar supostas desigualdades sociais e econômicas interregionais. E isso porque a adoção de tais práticas pelos Estados-membros comprometeria por completo a segurança e previsibilidade necessárias aos cidadãos, em geral, e aos contribuintes do tributo, em especial, em razão da multiplicidade de atos normativos que seriam editados relativos ao ICMS. Vale dizer, todos os indivíduos, residentes ou não do Estado instituidor da nova política tributária de ICMS, ficam prejudicados com a adoção de medidas unilaterais pretensamente voltadas a solver os reveses da Federação brasileira. Assim é que, no limite, em situações como as debatidas na espécie, os maiores prejudicados são os consumidores finais que, verdadeiramente, terão de suportar o excessivo - e indevido - aumento da carga tributária a eles repassado no preço da mercadoria. (...) Além disso, há relatos de que os Estados subscritores do Protocolo ICMS nº 21/2011 procedem à apreensão das mercadorias, quando do ingresso em seu território, das empresas que não recolherem o tributo de acordo com esta nova sistemática. Eis o objetivo precípuo desta prática: compelir o contribuinte, pela via transversa, ao recolhimento do ICMS. Trata-se, à evidência, de um mecanismo coercitivo de pagamento do tributo repudiado pelo nosso ordenamento constitucional. Por evidente, tal medida vulnera, a um só tempo, os incisos IV e V do art. 150 da Lei Fundamental de 1988, que vedam, respectivamente, a cobrança de tributos com efeitos confiscatórios e o estabelecimento de restrições, por meio da cobrança de tributos, ao livre tráfego de pessoas ou bens entre os entes da Federação. Nesse sentido, a Suprema Corte já se manifestou contrariamente a tais práticas, placitando o entendimento no sentido de ser "inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos" (Enunciado da Súmula nº 323/STF). Assim, a retenção das mercadorias equivale, ipso facto, ao confisco. Tais razões são suficientemente consistentes para inquinar a validade do Protocolo ICMS nº 21/2011. De fato, o indigitado diploma, ao instituir a cobrança da alíquota do Estado de origem, quando o consumidor final não for contribuinte do tributo, colide frontalmente com a sistemática constitucional, prevista pelo art. 155, § 2º, VII, alínea b, bem como o art. 150, incisos IV e V, razão por que, a meu sentir, deve ser expungido do ordenamento jurídico"
.

Convém ressaltar que a medida cautelar foi inicialmente deferida com efeitos "ex tunc", sob alegação de que "o Protocolo ICMS CONFAZ 21/2011 ofende flagrantemente a Constituição, tanto do ponto de vista formal quanto material" e de que:

"dois imperativos informam a modulação dos efeitos nesta cautelar: em primeiro lugar, em razão do manifesto prejuízo sofrido pela cobrança da alíquota de ICMS prevista no Protocolo impugnado, quando nas operações interestaduais, o destinatário final não for contribuinte habitual do tributo; e, em segundo lugar, como forma de inibir tais práticas por outras unidades da federação. Do contrário, este cenário de "guerra fiscal" dificilmente será equacionado" (grifamos).

Contudo, por meio de decisão publicada no DJE de 07/03/2014, o Ministro Luiz Fux retificou "ex officio" a referida decisão para o fim de alterar os seus efeitos para "ex nunc" até o pronunciamento do Plenário da Corte.

Com a publicação da decisão monocrática que deferiu o pedido liminar de suspensão da aplicação do Protocolo 21/2011, a exigência do imposto correspondente à diferença das alíquotas em favor do Estado de destino, nas vendas para não contribuintes localizados em outro Estado, fica suspensa até a decisão definitiva da ação declaratória de inconstitucionalidade.

Nesse ínterim, convém ressaltar que, considerando que o pedido liminar levou mais de dois anos para ser apreciado e que não se sabe quanto tempo levará até o julgamento definitivo da ação direta de inconstitucionalidade, é possível que antes seja aprovada a Proposta de Emenda Constitucional nº 282/2013, que propõe a alteração da alínea "b", do inciso VII, §2º, do artigo 155 da Constituição Federal.

Proposta de Emenda Constitucional - PEC nº 282/2013
Objetivando a repartição da receita de ICMS decorrente das vendas interestaduais realizadas por meio não presencial e sob justificativa de que à época da promulgação da Constituição Federal o comércio não presencial era muito incipiente, tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição nº 282/2013, que visa alterar os incisos VII e VIII, do § 2º, do art. 155 da Constituição, dando-lhes a seguinte redação:

"VII - nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, aplicar-se-á a alíquota interestadual, cabendo ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual; VIII - a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída: a) ao destinatário, quando for ele contribuinte do imposto; b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte dele".

Entre os possíveis impactos gerados pela PEC nº 282/2013, destacam-se:

a) aplicação da alíquota interestadual nas vendas efetuadas para consumidores finais, independente do destinatário ser ou não contribuinte do ICMS;

b) atribuição ao remetente da responsabilidade de recolher para o Estado de destino a parcela do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual, nos casos em que o adquirente for consumidor final não contribuinte do ICMS;

Com o recolhimento de parte do imposto para o destino a Proposta pretende colocar fim à discussão sobre a divisão do imposto nas vendas interestaduais efetuadas para consumidor final por meio não presencial, aplacando os ânimos dos Estados signatários do Protocolo 21/2011.

Após submetida à mesa diretora da Câmara dos Deputados, a Proposta foi encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e atualmente aguarda a apreciação do plenário.

Conclusão
Não há como negar a alegação de que o texto constitucional foi elaborado sem considerar a figura da venda não presencial e principalmente o impacto do e-commerce na divisão da receita do ICMS entre os Estados.

Também não é possível ignorar que os Estados signatários do Protocolo 21/2011 possuem razão ao reclamar sobre o impacto das vendas não presenciais em suas arrecadações, em virtude de grande parte do recolhimento do imposto ficar concentrado nas regiões sul e sudeste do país.

Contudo, não é possível que os Estados, à revelia do disposto no texto constitucional e sob alegação de que o mesmo encontra-se ultrapassado ou que seja inaplicável, resolvam alterar a sistemática de tributação por meio de Protocolo.

Se as disposições constitucionais se tornaram injustas, inaplicáveis e passaram a ser objeto de desigualdade entre os Estados em razão das mudanças ocorridas na sociedade desde a promulgação, a via adequada para a solução do problema é a alteração da Constituição Federal por meio de Emenda Constitucional, com observância do procedimento legislativo previsto no artigo 60, da própria Carta Magna.

Desta forma, a decisão do Ministro Luiz Fux em suspender liminarmente a aplicação do Protocolo 21/2011 é sem dúvida prudente e adequada, tendo em vista a insegurança jurídica que se instaurou desde a publicação do Protocolo 21/2011.

Não se sabe se primeiro irá ocorrer o julgamento da ADI 4628, da repercussão geral reconhecida no Recurso Extraordinário nº 680089 ou se a PEC nº 282/2013 será promulgada, contudo, a partir de 20/02/2014, com a publicação da decisão liminar deferida pelo STF nos autos da ADI 4628, os contribuintes que efetuarem vendas interestaduais, por meio não presencial (e-commerce, telemarketing ou showroom), para consumidor final não contribuinte do ICMS, possuem respaldo jurídico para não aplicar o Protocolo 21/2011. Ainda que a decisão não seja definitiva, a liminar concedida em favor dos consumidores é, sem dúvida, uma vitória para os contribuintes e para os consumidores!
(Publicado originalmente em Thomson Reuters - FISCOSoft)

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Lei da Transparência – postergação do prazo para aplicação das penalidades

Mesmo após um ano do início da vigência da Lei nº12.741/2012 poucos são os estabelecimentos que se adequaram as novas regras trazidas pela intitulada “Lei da Transparência” e são inúmeras as dúvidas quanto ao cumprimento da obrigação de indicar nos documentos a carga tributária incidente na operação ou prestação. Publicada no DOU de 10.12.2012, a “Lei da Transparência” entrou em vigor em 10.06.2013, contudo o dispositivo que previa a aplicação de penalidades aos estabelecimentos que deixassem de cumpri-la foi alterado pela Lei nº 12.868/2013, para estabelecer que somente haveria aplicação das penalidades doze meses após o início da vigência, ou seja, a partir de 10.06.2014. Recentemente, as vésperas do prazo previsto para início da aplicação de penalidades, foi publicada a Medida Provisória nº 649/2014 (DOU 06.06.2014) para alterar a redação do artigo 5º, da Lei 12.741/2012 e estabelecer que até 31.12.2014 a fiscalização terá caráter exclusivamente orientador. Também foi publicado o Decreto 8.264/2014 para traçar algumas diretrizes quanto ao cumprimento da obrigação, entre as quais destacamos: a) a necessidade de segregar os tributos por ente tributante (art. 2º); b) a possibilidade de informar a carga tributária relativa à última etapa da cadeia produtiva (art. 3º, §7º); c) a possibilidade do cálculo ser elaborado com base na média estimada dos tributos (art. 5º, parágrafo único); d) o caráter meramente informativo da obrigação (art. 6º); e) a aplicação da obrigação aos contribuintes optantes pelo Simples Nacional (arts. 8º e 9º). Contudo, apesar do Decreto 8.264/2014 ter estabelecido algumas diretrizes relativas ao cumprimento da obrigação de informar ao consumidor o montante de tributos incidentes nos preços dos produtos e serviços, não trouxe muitas novidades/explicações quanto a forma de sua apuração, restando aos estabelecimentos a esperança de que as normas editadas pelo Ministério da Fazenda, Ministério da Justiça e Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República sejam mais elucidativas. Flavia de Almeida Silva Consultora de Tributos Indiretos Thomson Reuters – FISCOSoft. (Publicado originalmente em Boletim Contábil - Junho/2014 - Thomson Reuters - FISCOSoft)